segunda-feira, 12 de abril de 2021

Crianças Down à luz da antroposofia

Vinícius faz parte de uma geração de crianças que nasceram com SD. Hoje, adulto,  ele é maduro, responsável, amoroso e confiável. Desenvolveu-se e amadureceu a partir dos cuidados e do amor que teve da família e, sobretudo, pelas diversas terapias e tratamentos recebidos desde que nasceu. Dentre as inúmeras terapias existentes, uma delas está relacionada à Ciência Antroposófica. A Pedagogia Curativa (ramo da Antroposofia) tem ajudado pessoas com SD a desenvolverem-se de maneira mais autônoma e construtiva. Atualmente Vini faz atividades baseadas nesta pedagogia, no Sítio Terapia com a Professora Lesiléia. No espaço, compartilhado por todos os visitantes, há produção de hortaliças, criação de galinhas, atividades de equoterapia e muito aprendizado. Abaixo segue um texto extraído do livro “Crianças que Necessitam de Cuidados Especiais”, de Thomas J. Weihs, publicado em 1991 pela Editora Antroposófica que traz à luz algumas questões relacionadas às crianças Down.


Arquivo pessoal

A Criança com Síndrome de Down

O bebê com Síndrome de Down (doravante SD) é um bebê igual aos outros – apenas muito mais bebê. Ele é mais arredondado, se bem que um pouco achatado nas costas. Seu rosto é mais circular. Seus olhos e boca são mais redondos, e todo seu corpo é mais macio do que o de outros bebês. (Para aqueles que amam bebês, o bebê com SD é uma excepcional fonte e objeto de amor.)

Como já foi dito, esta é a aparência de qualquer embrião por volta do segundo mês de  gravidez.  Dois meses antes o embrião é, por assim dizer, completamente redondo, uma minúscula esfera, um óvulo fertilizado, um todo, mas apenas um todo de promessas, um futuro ainda não descortinado. De várias maneiras e em vários níveis, a criança com SD retém um pouco destes elementos primários de redondez, de promessa não-diferenciada através de sua vida.

Todos os pontos importantes de seu desenvolvimento são atrasados. Ela é demorada em alcançar com o olhar e as mãos. É demorada em sentar,  levantar-se e andar, é atrasada no desenvolvimento da linguagem. Existe frequentemente o risco dela ser atrasada demais, de só aprender a andar no tempo em que já deveria ter desenvolvido inteiramente a fala e, por esta razão, de ser tarde demais para que ela o faça. Em geral, contudo, a fala é adquirida e a condição humana de sua existência alcança pelo menos o grau de satisfação proporcional ao andar e falar. 

Arquivo pessoal

Usualmente a criança com SD se detém a meio-caminho entre a consciência amplamente expandida da criança e a consciência centrada do adulto maduro. Ela praticamente nunca adquire aquele nível de separação ou alienação do mundo que caracteriza o homem comum de hoje. A criança com SD continua exclusivamente com a mesma opinião sobre aquilo que a cerca e particularmente sobre aquelas pessoas que lhe são mais familiares. É como se ela visse todo o mundo como irmão e irmã, como pais e mães, ou membros de sua família, caso eles sejam de uma geração mais velha. Ela detém um sentimento familiar para com o todo da humanidade, e a experiência de “pessoa estranha” é estranha para ela.

Seus poderes de imitação continuam a acompanhá-la, não inibidos pela autoconscientização, de modo que ela não apenas vive “com”, mas praticamente “nos” outros. Ela tem um grande senso de ocasião e do teatral, e comumente não é apenas ela própria e contida em si mesma, mas é todo o mundo e também tudo o mais.

Arquivo pessoal
Arquivo pessoal

A criança com SD é dada à simpatia, pois a dúvida  que é engendrada pelo conhecimento ainda não a atingiu. Seu amor não é aquele que nasce do sofrimento e da conscientização; num certo sentido é o próprio amor original, amor que é inocente e inteiramente desprovido de intelectualidade. É quase como se “seus olhos ainda não estivessem abertos”, como se a aura da existência humana anterior à Queda do Paraíso ainda estivesse com ela. No entanto, ela pode sentir vergonha. A vergonha parece ser uma emoção profundamente penetrante na criança com SD. Enquanto que de modo geral tem pouco senso para o medo, ela pode ser profundamente capturada por uma vergonha que a aprisiona e a impede de conquistar coisas que ela seria bem capaz de fazer.

A combinação peculiar entre a abundância de amor numa criança com SD e sua falta de intelectualidade resulta no seu charme e atração, assim como na sua fragilidade e anulação, pois a deixa num estado de quase incapacidade de manter-se por si mesma em nossa vida diária e sociedade atuais.

E não foi do mesmo modo misterioso que o portador de SD assumiu seu lugar mais para proporcionar um remédio do que ser uma doença no nosso século? Será que não significa alguma coisa que deveríamos aprender a entender, a aceitar e a amar pela causa de nosso próprio desenvolvimento como seres humanos? Tais pensamentos podem parecer estranhos em nossa idade moderna, mas mesmo assim, mais estranho é uma criança com SD sendo, como um eco, uma reminiscência do Buda, tanto que um portador de SD quase que não pode fazer  nada mais do que sentar com suas pernas dobradas na posição de Buda, como o fazem aqueles que não estão aqui para modificar o mundo através da força bruta, mas para ser gentis e modificar a si mesmos.

Idealmente, se existisse uma criança com SD em cada classe de toda escola comum, cuja dignidade humana fosse reconhecida pelos professores, as outras crianças seriam ajudadas para desenvolver forças de empatia e amor, as quais mais tarde levariam a um novo progresso no campo social. De modo mais imediato, isto poderia efetuar mudanças proveitosas em nosso sistema educacional.

No entanto, pode-se dizer alguma coisa sobre as conquistas relativamente acadêmicas de crianças com SD, e que podem variar consideravelmente. Existem algumas crianças que aprendem a ler e a escrever numa idade bastante precoce, e que lerão livros com compreensão total do texto. Não são poucos aqueles que se interessam por história. De um modo amplo, eles são mais inclinados para assuntos “humanísticos” do que para os “científicos”, se bem que hoje em dia são conhecidas algumas crianças com SD que tem preferência pela aritmética, a despeito de prevalecer o ponto de vista segundo o qual os portadores de SD são incapazes de lidar com números. Existem outras crianças com SD que nunca aprendem a ler e a escrever, mas cujas habilidades genéricas podem ser desenvolvidas o suficiente para permitir-lhes, mais tarde, tomar responsabilidades em diversos campos de trabalho, ou até mesmo no campo domiciliar, o qual requer mais previsão e planejamento que a rotina de trabalho de muitas fábricas.

Do mesmo modo, se aproveitam a educação e o treino de crianças que sofrem de outras deficiências, crianças com SD demonstram ser curadores e ajudantes preciosos. Elas trazem à tona amor, empatia e responsabilidade em crianças que de outra maneira tem as maiores dificuldades em desenvolver justamente estas qualidades. Elas conseguem superar, como nenhuma outra pessoa,  o isolamento e a retração de crianças autistas em sua bem-aventurada consciência da falta de resposta da parte delas. Seu nível totalmente irracional e sempre indulgente de simpatia pode proporcionar à criança desajustada a primeira experiência de ser querida. 

Em circunstâncias decorrentes da atitude correta, a criança com SD crescerá e desenvolverá  uma surpreendente maturidade e responsabilidade. Gradualmente ela desenvolverá consciência e compreensão nos assuntos espirituais. Pois se, para começar, a criança com SD parece não ter sentimentos religiosos, se ela parece não ter consciência e está apenas preenchida por divertimento, isto se dá porque ela não consegue encontrar o mal como outras pessoas fazem,  nem em si própria nem no mundo. Ela é verdadeiramente inocente.

Arquivo pessoal

No entanto, sua inocência precisa ser corretamente guiada. Se lhe for permitido continuar a encarar a vida como um jogo, ela não poderá integrar-se como um adulto no mundo dos adultos. Se for aceita e levada a sério pelo que realmente é,  ela amadurecerá, tornar-se-á responsável e confiável, um amigo valioso para a comunidade em que vive.






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