quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Relatório de Avaliação Neuropsicológica

Em junho de 2011, Vinícius foi submentido a uma avaliação neuropsicológica com a psicóloga Analia Luciana Rosa de Aguiar. Disponibilizamos o relato da avaliação na íntegra para que outras mães, pais ou familiares tenham informações sobre o funcionamento cognitivo de uma pessoa com Síndrome de Down, respeitando as particularidades de cada indivíduo.

Dados de Identificação

•Nome: Vinícius Gabriel da Silva
•Idade: 29 anos e 7 meses
•Data de Nascimento: 26/10/1981
•Dominância Manual: Destro
•Escolaridade: Ensino fundamental incompleto - 4⁰ano

Informações

Vinícius, 29 anos (DN: 26/10/1981), foi avaliado visando esclarecimento sobre o funcionamento cognitivo. Os dados de história foram fornecidos pela mãe do paciente Sra. Ellen Crista: é o primeiro de uma prole de três, tendo uma irmã de 26 anos e outra de 24 anos. Gestação e parto sem intercorrências. O desenvolvimento neuropsicomotor foi marcado por atrasos.
Na escolaridade desde o início apresentou dificuldades para acompanhar o ensino. Durante sua vida escolar Vinícius foi muito estimulado, frequentou escolas regulares, Kumon, reforços pedagógicos e mesmo com várias ajudas não conseguia atingir o desempenho esperado.  Suas maiores dificuldades relatadas pela mãe são em raciocínio lógico e matemática, tendo parado de estudar no 4⁰ ano.
Sobre sua rotina, trabalha diariamente no período da tarde como empacotador em um supermercado,sendo que não consegue cumprir com os horários determinados ( na hora do lanche sempre atrasa para voltar ao trabalho), quando necessita faltar ao trabalho não demonstra preocupação em comunicar sua falta, sendo que a mãe sempre avisa seus superiores, ainda no trabalho quando aproxima-se de seu horário de saída mesmo ainda não tendo finalizado suas atividades, vai para bater o ponto. Não ajuda nas tarefas da casa e quando solicitado reclama, com relação a atividades de vida diária precisa ser lembrado e algumas atividades a mãe faz por ele (como cortar as unhas, levá-lo para cortar o cabelo), supervisiona na maioria das vezes o banho. Costuma assistir novelas, jogos de futebol, gosta de escutar música e utiliza computador.
A mãe ainda relata que Vinícius é muito teimoso, sempre querendo fazer as coisas do jeito dele. Não possui muito controle sobre seus comportamentos, (masturba-se na frente da televisão e computador sendo que diversas vezes já lhe foi dito que não deve fazer nestes locais, mas ele não dá importância para os pedidos da mãe), quanto a alimentação também não possui controle, come demasiadamente.


  • Observações sobre o comportamento durante a avaliação:


Vinícius se mostrou colaborativo, sorridente e agradável durante a avaliação, entretanto desde o início ficou bastante perceptível que V. não apenas era lento, mas apresentava uma série de características que dificultavam o diálogo: era desatento e tinha dificuldade de criar e seguir uma linha de raciocínio, trazendo pistas para compreender na vida prática. Diversas vezes foi necessário incentivá-lo para continuar as tarefas, pois se desinteressava e trazia assuntos não relacionados aos propostos, mostrando o quanto está preocupado com a questão da sua guarda. Mesmo tendo 29 anos, foi realizada uma bateria de atividades para idade infantil/adolescente (até 16 anos), pois já no primeiro contato ficou evidente seu rendimento muito aquém à média, e ele não conseguiu ir adiante minimamente a bateria para adultos de sua idade.


  • Resultados Neuropsicológicos:


Atenção, Velocidade de processamento e Memória:
De forma geral Vinícius apresentou alerta em nível insuficiente para funcionar em todas as atividades solicitadas, diversas vezes as instruções tiveram que ser repetidas e mesmo assim ele não conseguia manter o foco atencional.
A amplitude atencional esteve bastante reduzida, conseguindo repetir apenas 4 estímulos após ouvi-los em ordem direta, e nenhum em ordem inversa , sugerindo que se torna muito difícil para ele “registrar” frases muito longas ou parágrafos, quando as informações não fazem sentido imediato. Isto ficou claro numa prova de aprendizagem, nas quais ele conseguiu guardar pouco de uma lista de palavras lidas durante cinco vezes para ele.
Vinícius mostrou grande dificuldade quando o desempenho dependia da memória operativa (a habilidade para manter as informações na mente e realizar operações com elas), não conseguindo sustentar mentalmente as informações por tempo suficiente..
A atenção para estímulos visuais também apresentou problemas, V. teve dificuldade em identificar rapidamente partes que faltavam em figuras (como uma perna de um elefante) (Completar Figuras), apesar da análise cuidadosa que tentava fazer. O principal problema era que ele nem sempre discriminava o essencial do não essencial nos desenhos, o que dificultava a organização do raciocínio. Ele foi lento ao seguir uma seqüência de símbolos em meio a distratores (código), demorando em encontrar o que tinha sido solicitado. A implicação de tudo isto na vida é evidente, pois ele tende a ser lento para executar as demandas dependentes da análise visual aliada a motricidade fina.


  • Habilidade visomotora e visoconstrutiva:

A eficiência de Vinícius para analisar dados via visual e pensamento espacial, decompondo ou juntando peças para em seguida planejar uma ação prática era fraca. Ao fazer construções com cubos era necessário que ele desenvolvesse raciocínio espacial e um plano de ação, algo que se revelou difícil. As dificuldades foram evidentes – ele procedeu por tentativas, e mesmo com ajuda não conseguia finalizar os modelos, mesmo os mais simples.  
Assim apesar de não apresentar traços de impulsividade seu desempenho ao tentar transpor imagens para o plano concreto era pouco prático: tinha dificuldade em analisar e planejar uma estratégia de ação eficiente, pois era pouco capaz de avaliar o que estava fazendo. Sua performance não era ancorada em uma lógica e sim por acerto-erro, sendo ele pouco capaz de avaliar e corrigir o que estava fazendo (cubos e armar objetos).


  • Julgamento e Crítica:

A capacidade de modular a própria conduta de acordo com cada contexto e situação e agir/reagir apropriadamente, depende tanto dos aspectos cognitivos de crítica e julgamento, como da “leitura” social/emocional das situações. Isto implica em compreender componentes sutis tanto através da linguagem como da interação prática com as pessoas.
A julgar pelo nível formal das respostas, V. mostra que adquiriu uma quantidade razoável de informações e conhecimento sobre o mundo, sobretudo o que seria certo e errado de se fazer na vida social, de acordo com as normas aprendidas ao longo do seu desenvolvimento, indicando que ele teve bons recursos de estimulação e segundo o que lhe foi ensinado pelas figuras de autoridade, como por exemplo, que chamaria os bombeiros caso visse sair fumaça da janela da casa de seu visinho. As respostas eram melhores quando a situação era mais próxima das suas experiências, mas ao opinar sobre questões que provavelmente não foi exposto ou ensinado, era muito difícil para ele concatenar as idéias e responder de acordo com o esperado para sua faixa etária ( Compreensão).
Além disto, ele teve séria dificuldade ao analisar situações sociais do ponto de vista prático. Esta habilidade foi avaliada através de uma prova na qual ele deveria montar histórias em quadrinhos percebendo os motivos não explícitos que levavam alguns personagens a se comportarem de determinadas maneiras. Para isto ele devia se guiar pelas pistas fornecidas pelos seus gestos e expressões faciais, o que envolvia a análise de dados não-verbais. Vinícius teve muita dificuldade para ordenar as histórias, pois não conseguia compreender as razões por trás das ações dos personagens. Com isto, ficou evidente sua dificuldade de compreender e interpretar os aspectos subjetivos envolvidos nos relacionamentos, o que o leva muitas vezes a situações de desproteção e a menor adequação social.


  • Linguagem:

No que tange aos recursos da linguagem, V. era pouco fluente, apresentando dificuldades para encontrar palavras até no discurso espontâneo. Ao ter que definir palavras através de sinônimos ou descrições pertinentes, parecia compreender muitas delas, entretanto lhe faltavam palavras mais adequadas para se fazer entender. Ainda assim o baixo repertório semântico assimilado foi bastante evidente (o que é uma Ilha: “tem praia”-sic. A tentativa de leitura e escrita era lenta e vacilante, na maioria das vezes incoerentes. 


  • Abstração e Eficiência Intelectual:

Vinícius apresentou dificuldade na capacidade para estabelecer relações abstratas via linguagem, como observado em uma tarefa que em deveria comparar itens aparentemente não conectados, classificando-os em categorias mais amplas de acordo com suas características essenciais, chegando assim a formular os conceitos de uma forma sintética (Semelhanças). Quando solicitado em dizer no que se pareciam/qual era a semelhança entre maçã e banana V. respondeu: “para comer” (sic); mesmo com maior insistência ele não conseguiu sintetizar os conceitos referindo-os como os dois sendo frutas. Esta tarefa se revelou muito difícil para ele, porque demandava uma articulação interna que aparentemente ele ainda não alcançou plenamente.
Os resultados globais de V., aferido através do WISC-III, situaram-se na faixa corresponde a R.M. moderado, denotando melhores capacidades nas funções mediadas pela linguagem do que naquelas que recrutam habilidades viso-espaciais / de execução. Apesar de ter adquirido muitos conhecimentos até hoje, um dos aspectos que muito dificultam sua adaptação é a dificuldade em fazer julgamentos práticos das ações sociais do dia-a-dia, faltando muitas vezes senso comum para resolver as situações que vive.
Vinícius é um adulto/jovem imaturo intelectualmente, apresentando uma importante dificuldade em estabelecer relações básicas essenciais entre fatos e idéias de seu meio ambiente e pelos dados revelados na aferição de sua capacidade de raciocínio hoje em dia a paciente rende como um menino 6 e 7 anos de idade.  
Escala do Comportamento Adaptativo de Vineland (Vineland adaptative behavior scales. Interview Edition – Survey Form. (Sparrow et al, 1984).

De acordo com os dados colhidos na investigação do comportamento adaptativo, Vinícius apresenta nível funcional inferior, para sua idade cronológica, nos aspectos ligados á comunicação, autonomia e socialização; ele tem adquirido a mesma independência funcional encontrada em uma criança de equivalência etária entre 6 e 7 anos de idade, a partir da Escala de Comportamento Adaptativo de Vineland (Sparrow e cols, 1994). A avaliação sugere que Vinícius apresenta maior preservação das habilidades relacionadas a vida cotidiana, como alimentar-se sozinho e vestir-se. No entanto, mais independência nas atividades de vida diária é necessária como, por exemplo, arrumar seu quarto sem ser solicitado, cuidados diários como fazer a barba, cortar as unhas, obedecer a sinalização de trânsito (prestar mais atenção), saber fazer chamadas telefônicas de emergência.
V. apresenta dificuldades maiores nos domínios de socialização e comunicação, atividades que envolvem compreensão e assimilação dos hábitos do meio que o cerca, tanto como a boa capacidade de interação com o outro e com as regras sociais de seu ambiente, convivência ativa em grupos e fazer-se compreender, e compreender o outro, de forma independente. Neste sentido, o paciente ouve a comandos, mantém o foco da sua atenção por tempos curtos, faz sugestões de cardápios e preferências alimentares. Em contrapartida ainda tem dificuldade em nomear seu endereço completo e número de telefone, corre riscos, pois não percebe os perigos.
Foi percebido durante a investigação que diversas esferas do comportamento adaptativo, sobretudo no que diz respeito ao conhecimento de si mesmo e do funcionamento da vida prática, são menos estimuladas que o esperado, como por exemplo, não sabe ver as horas em relógio analógico, não mantém uma adequada percepção do clima (precisa ser orientado quanto a troca de roupas de acordo com a estação climática), não obedece a limites de tempo como a hora do café no trabalho, nem tampouco é incentivado a auxiliar nas atividades caseiras. Ele pode ter um maior desenvolvimento em termos de adaptação a vida prática, com estimulações específicas e já esperadas para sua faixa etária, como por exemplo:

Com relação à comunicação:

Incentivá-lo a citar todas as letras do alfabeto, para assim apresentar palavras novas que sejam simples e de fácil aplicação;
Ensinar o endereço, número de seu telefone e estimular a memorização;
Nomear figuras e objetos que estejam presentes no dia-a-dia, afim de aumentar seu repertório verbal.

Com relação à esfera da socialização:

Incentivar a convivência de Vinícius com outras pessoas;
Incentivo de atividade em grupos;
Incentivar o uso de jogos (memorização, raciocínio, etc)

Com relação às habilidades cotidianas:

Treinar os passos (simples) do auto-cuidado (fazer a barba, escovar os dentes, cortar as unhas, etc);
Mostrar o uso de relógio analógico ensinando a visualização e estimulando a compreensão; 
Solicitar ajuda na arrumação da casa.

O treino de habilidades favorece maior independência na vida cotidiana e em sociedade. É importante salientar que as atividades que forem elaboradas ao paciente, sejam coerentes com sua idade, sempre partindo de graus de dificuldade mais simples para mais complexos.


  • Discussão/Conclusão

Os dados arrolados indicam que Vinícius apresenta um rebaixamento global nas esferas cognitivas, especialmente naquelas que dependem de mediação de raciocínio e aspectos não-verbais. Sua adaptação na vida acadêmica e prática é um tanto difícil quando lhe é exigida independência em função do rendimento intelectual aquém ao esperado para sua faixa etária.
Em função das limitações que seu quadro impõe, ele necessita de uma combinação de ajuda especial, ter uma rotina, ter uma lar de referência para cuidar cada vez mais de aspectos de sua vida doméstica, sua saúde e segurança; e que seja incentivado a treinar habilidades específicas. Também é necessário a presença de uma figura de referência (porto-seguro) que transmita segurança, tranqüilidade e mostre as reais condições e possibilidades para que Vinícius busque sua autonomia. Neste caso, sugerem-se atividades que o paciente possa se engajar, principalmente naquelas que trabalhem com dados concretos e que seja estimulado para que adquira cada vez mais sua autonomia e independência.

Florianópolis, 06 de junho de 2011.



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