terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Um caso de aquisição de passiva na SD

Linguagem: a aquisição de passiva na Síndrome de Down

Vinícius não foge à regra dos portadores de Síndrome de Down, quanto ao uso da voz passiva. Do caso ora apresentado, Vinícius não é o único. Cristóvão Tezza, em seu livro “O filho eterno”, diz o seguinte: “A fala será, para sempre, um balbuciar de palavras avulsas, sentenças curtas truncadas; será incapaz de enunciar uma estrutura na voz passiva (a janela foi quebrada por João estará além de sua compreensão). (...)ele não tem sintaxe, tempos de verbo, marcas sistemáticas de plural ou de gênero, nada. Ele tem apenas o domínio de palavras ou blocos de duas ou três palavras avulsas.” 

Ao longo da minha pesquisa encontrei muitos estudos que abordam a ordem motora e  física, mas poucos são os que tratam das questões de aquisição de linguagem e, consequentemente, os métodos adequados de abordagem e técnicas de ensino. 
Rubin ressalta em sua pesquisa que as dificuldades de um Down em construir frases com passiva podem decorrer do uso de verbo no particípio junto a um verbo auxiliar nas línguas em que esse é o padrão morfossintático. Alerta a pesquisadora na complexidade que é realizar os passos para a formulação da passiva, pois o agente sai de sua posição cômoda de sujeito e passa a ser “paciente”, numa posição totalmente controversa a estrutura simples de frases, ou seja, hipersimplificação.
Na verdade, o sujeito (cujo papel semântico é de agente) passa a uma posição de adjunto (inferior na hierarquia dos argumentos). O objeto direto (cujo papel semântico é de paciente) sobe na hierarquia. Quando falamos de hierarquia e de mudanças inesperadas, significa que existe um padrão nas línguas humanas: agente é, normalmente, o sujeito; paciente é, normalmente, objeto. A passiva promove justamente a quebra dessa expectativa, com fins pragmáticos claros: o paciente passa a ocupar papel de destaque no discurso, expulsando o agente para uma posição de menos importância. Um adjunto que pode ser, inclusive, apagado comletamente da frase.

Simplificando o que foi dito acima, sobre a aquisição da Voz Passiva: no exemplo: O menino pintou a porta, temos um sujeito simples, um verbo na conjugação simples e um objeto direto que também é de fácil aceitação e compreensão. Mas dizer de outra forma, na Passiva: A porta foi pintada pelo menino, exige maturação linguística pelo interlocutor, por quem fala, pois que exige saber colocar o verbo no particípio (pinta da), usar um verbo auxiliar (foi) e colocar o sujeito em posição de objeto indireto, isto é, necessita usar uma preposição (pelo). E o que era objeto na frase inicial, passa a ser o sujeito. Vamos e venhamos, é uma nova estrutura de frase complicada, principalmente para um Down, cuja essência de vida é a simplicidade, a descomplicação.

Que possam estes estudos despertar a curiosidade e o interesse de especialistas na área, a ponto de alcançar noções mais adequadas ao desenvolvimento educacional de crianças portadoras da síndrome. Oxalá possam tais estudos enriquecer e proporcionar avanços na aprendizagem e educação escolar. 
Lembrando Tezza: "...crianças 'como o seu filho' são inteligentíssimas e percebem o que os outros não percebem (...) pela afetividade em estado puro, a criança atinge uma compreensão superior da vida e do mundo. A afetividade é sua compreensão (...) o mundo dos afetos é o talento dessa criança(...) Felipe abraça como alguém que se larga ao mundo de olhos fechados. Solta-se no carinho que sente como um cão esparramando-se feliz ao sol da varanda." 

Bibliografia:
RUBIN, M.C.B.P. 2004. A passiva na Síndrome de Down. Curitiba. Univ Fed do Paraná.
SILVA, Ellen Crista. 2015. Vinícius, um Down adulto. Florianópolis.55p.
TEZZA, Cristovão. 2010. O filho eterno. Rio de Janeiro: Editora Record. 222p.



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