quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Fotografar eleva a auto estima de pessoas com Down

Via O Globo por Clarissa Pains

A fotógrafa Sandra Reis está sempre planejando estratégias para ensinar seu ofício a 80 alunos que frequentam o seu espaço na Zona Norte de São Paulo. Outro dia, ela traçou um plano para explicar a temperatura da luz. O ponto alto da lição seria levar os jovens a um acampamento onde poderiam registrar o pôr do sol, sentindo as cores quentes, e acordar cedinho para fotografar os tons frios do amanhecer. Entre um momento e outro, a “aula” se transforma em sessão de cinema à noite e contação de histórias. A ideia soa como uma forma divertida de fazer qualquer pessoa aprender fotografia, mas, para Sandra, criar alternativas para transmitir o conhecimento é uma necessidade. Seus pupilos têm síndrome de Down, o que torna o aprendizado mais lento e exige que a professora crie táticas variadas para prender a atenção deles.

— Cada pessoa tem seu tempo. Não importa se vou ficar três anos com um aluno ensinando enquadramento. O que importa é que ele vai aprender e, quando isso acontecer, vai saber tudo sobre o assunto — diz Sandra. — Para quem tem deficiência, é muito comum haver frustração. A pessoa vê todos os outros conseguindo realizar tarefas, e ela, não. Acho que o meu projeto deu certo porque não exijo que eles absorvam tanto conteúdo rapidamente, mas tiro o melhor deles em cada pequena etapa, para que ganhem confiança

O projeto de Sandra é o Galera do Click, que completa cinco anos em julho. Começou com 20 pessoas e hoje reúne quatro vezes mais alunos, dos 16 aos 45 anos. Não há duração prevista para o curso, então muitos dos primeiros alunos continuam — aliás, uma vez na Galera do Click, quase ninguém sai.


A ideia surgiu quando Sandra percebeu que seu filho Felippe, que tem Down e hoje está com 25 anos, tirava boas fotos, ainda que sem conhecimento técnico. O rapaz acompanhava a mãe quando ela registrava espetáculos de dança, e ela passou a deixar uma câmera em sua mão, para que ele se ocupasse com algo durante o show. Chegou ao ponto de, uma vez, determinada cliente escolher mais fotos de Felippe do que da própria Sandra.

— Ele virou o rosto da Galera do Click — derrete-se ela sobre o filho, que, além de fotógrafo, é o primeiro judoca faixa preta de São Paulo.

O rapaz nunca foi isolado e, até hoje, a vida social da família gira em torno dele. Mas, no final da adolescência, Sandra começou a perceber que ele precisava “encontrar sua tribo” e trocar experiências com outros jovens com Down.

— É aqui que eles encontram os melhores amigos, que falam mal dos outros, que namoram, que terminam. Há um troca-troca que você nem imagina. Tenho que proibir beijo na boca na hora da aula, senão é uma beijação — conta ela, aos risos. — Eu quero desmistificar os estereótipos que colocam em pessoas com deficiência. Eles não são anjos, santinhos. Eles são especiais, como eu sou, como todos somos.

À PROCURA DE MAIS VOLUNTÁRIOS

Uma das principais buscas de Sandra é por mais voluntários para ajudar nas aulas. Ela conta com dois, mas considera que o ideal seria, no mínimo, seis.

— Hoje, temos mais alunos querendo entrar do que pessoas com disponibilidade para ajudar — afirma ela, que neste ano recebeu sete interessados em fazer o curso.

São quatro turmas, com aulas de duas horas semanais. Cada aluno paga uma taxa mensal de R$ 30, que cobre basicamente a limpeza do estúdio.

Na maioria dos casos, a iniciativa de fazer a matrícula parte das mães, que procuram uma ocupação para os filhos com potencial de virar uma profissão. Foi este o caso da advogada aposentada Hedila Giovedi, de 73 anos, que é mãe de Paulão, como o jovem de 32 anos é conhecido por todos na “galera”.

— Ele entrou no curso há três anos. Tinha terminado o ensino médio e estava quase sem atividades — lembra Hedila. — De lá para cá, comprei uma câmera profissional para ele, com a qual já fez alguns trabalhos remunerados. Isso aumenta muito sua autoestima. 

Outro integrante da turma, Gabriel Lima, de 18 anos, sempre gostou de ser fotografado, como conta a mãe, Jaqueline.

— Quando a gente erguia a câmera, ele já fazia um sorriso. Então pensei que dominar as lentes também poderia agradar — diz ela, que leva ao curso, toda quarta-feira, o filho, a namorada e um amigo. — As quartas são sagradas para o Gabriel. 

Recentemente, Sandra foi convidada por uma associação de pais a ir até Aracaju, em Sergipe, dar palestras e ensinar profissionais de lá a montar algo nos moldes da Galera do Click. O encontro será em 21 de março, Dia Internacional da Síndrome de Down.

— Não precisa ter experiência com pessoas com deficiência. Basta ser um fotógrafo paciente, que tenha disponibilidade e que acredite neles — afirma Sandra. — Meu sonho é que haja polos da Galera em várias cidades.

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