quarta-feira, 16 de junho de 2021

O espaço e o tempo - Parte II

Segundo Goethe, o “espaço nada mais é que uma necessidade inerente às próprias coisas de sobressair, na forma mais externa, seus seres individuais, sem considerar suas essências e uni-las numa uniformidade interior.”  “Espaço, assim, é a forma de a mente humana manter o mundo como uma uniformidade. O espaço é uma ideia.”

Como ideia, ele não pode ser visto; o que se vê são objetos e seres que desfilam suas formas diante das nossas percepções, que os mantém separados. Portanto, quando se diz que o espaço é tridimensional e que largura, comprimento e altura são suas três dimensões, isso nada mais é do que atribuir “qualidades” à ideia.

Mas essa “qualidades” são abstrações extraídas das vivências da própria corporalidade. Quando tomo como pontos de referência a cabeça e os pés, minha mente tende a trazê-los dentro de uma uniformidade e estabelece, então, a altura que corresponde à minha vivência corporal “cima-baixo”.  Se estabeleço como pontos de referência da minha experiência os pontos mais externos dos ombros, por ex., surgindo então a largura como o elemento de uniformidade, tenho de correlacioná-la à minha vivência corporal “direita-esquerda”. O mesmo se pode dizer do comprimento, que está relacionado com a vivência corporal de “frente-atrás”.

Dessa forma vê-se que a experiência de espaço é, na verdade, a experiência da própria corporalidade que nos dá três diferentes tipos de consciência de nossa postura diante do espaço. Aliás, exibindo forma visível e sendo mensurável, nosso corpo pertence à idéia de espaço e é por nós vivenciado como algo “fora” de nós mesmos. Onde é que nos experienciamos, quando dizemos Eu? Dentro do corpo, não fora dele. Fora, está o mundo exterior e, como nos sentimos dentro, isso significa que o corpo é também um elemento “fora” de nós.

Indo mais além, diz-se que essa consciência de “dentro-fora”, adquirida pela experiência da própria corporalidade é, na verdade, um resultado das atividades do Eu com relação ao corpo e ao mundo. Uma vez ele está fora, no mundo, outra vez está dentro. Fora, ele atua no mundo, se transforma no contato com esse mundo, do qual recolhe impressões e informações. Dentro, ele se volta para si mesmo, para a vida interior e modifica o mundo que recebeu.

Isto significa o Eu estar “centrado”, isto é, ocupar o “centro” de todas as vivências corporais na sua relação com os elementos da sua experiência no mundo; o corpo físico, além de fazer parte dessa experiência é mantido como formando uma unidade com a essência espiritual que carrega e pode ser, assim, elevado à condição de instrumento de expressão anímico-espiritual.

Desta forma ele (o Eu) pode estabelecer-se como um dos elementos de referência e ter consciência de ser um Ser único que se relaciona com o outro elemento – o mundo exterior. Por isso a presença do Eu num corpo físico, de pé diante do espaço, divide esse espaço em planos relacionados com os pontos de referência do próprio corpo: cima-baixo; direita-esquerda; frente-atrás. Essas referências não estão no espaço, nem nas coisas, nem nos animais: dizem respeito às vivências que o ser humano tem através do corpo físico.

Se estas relações com a própria corporalidade não se fazem ou são incorretas, o ser humano não pode ter a vivência de “centro”, não poder ter a experiência de ser um Eu. Sente-se perdido no mundo do seu próprio corpo e, portanto, no mundo exterior também. Ele fica à mercê de fatos e eventos orgânicos e exteriores, sem conseguir dirigi-los, sem poder se relacionar com eles de forma correta. 

Para complementar este estudo panorâmico de relações, é preciso dizer, ainda, que esses três níveis de consciência acima citados formam como que uma base para as relações entre o que é vivenciado no corpo físico e nos planos dos três elementos anímicos. Assim temos o plano do pensar, compreendido entre a direita-esquerda, que permite ao Homem se relacionar com a forma e a sabedoria do mundo, respectivamente (por isso o lado direito está mais voltado para a exterioridade e o esquerdo para a interioridade); este é o plano perpendicular. O plano do sentir está compreendido entre o cima-baixo, que relaciona o Homem com o consciente (neurossensorial) e inconsciente (metabólico), respectivamente, é plano horizontal. O plano da vontade está compreendido entre o frente-atrás, que o correlaciona ao material e espiritual, respectivamente. Este é o plano da vertical.

Pode-se perguntar: Qual a diferença entre o plano perpendicular e o vertical? Não são eles a mesma coisa?

Rudolf Steiner esclarece que as direções do espaço são “planos de atividades que relacionam nossas próprias forças anímicas com o trabalho do Universo”. 

Assim, o plano perpendicular, que forma com a superfície da Terra um ângulo reto, divide o espaço em direita e esquerda. É o plano da simetria, é o plano do pensar.

O plano vertical divide o espaço em frente-atrás, que é o plano da vontade. Nesse plano temos a diagonal. Fica mais fácil de entender isto se nos imaginarmos em pé, diante da linha do horizonte, olhando para um ponto. A vertical nos dá a possibilidade da visão em perspectiva, da profundidade. Ela corre entre as linhas da perspectiva, isto é, entre diagonais.

Tem-se, portanto, uma relação assim:

Comprimento... Querer... frente-atrás (vertical)

Largura... Pensar... direita-esquerda (perpendicular)

Altura... Sentir... cima-baixo (horizontal)

O espaço não tem só um caráter ideal, mas é, também, uma forma de perceber-se nas relações com a própria corporalidade e com os planos de atividades da própria alma.


Texto extraído de : DIAS, Lucinda. Problemas de Aprendizagem – Procedimentos pedagógico-terapêuticos nas dificuldades de encarnação. Editora Antroposófica. 1995.

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